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Lembra dele? Campeão da Libertadores: Nelson ‘Patola’ vira motorista e chora ao voltar a São Januário

O relógio marca 12h47 quando a mensagem chega no celular: “Boa tarde! Graça e Paz! Estou na frente do prédio”. O motorista aguarda para nos levar a São Januário. Às 13h05, a reportagem do ge entra no carro e se depara com um campeão brasileiro e da Libertadores ao volante.

Ex-Vasco, Nelson Domingues de Araújo, o Nelson “Patola”, hoje motorista de uma cooperativa, é quem nos levará ao destino da pauta. Também será o entrevistado e, mais tarde, vai chorar ao rever o clube com o qual mais se identificou em toda sua carreira.


– A princípio, eu entrei como motorista no aplicativo – conta ele no caminho, visivelmente ansioso para compartilhar as histórias da época em que foi jogador. – Aí depois veio essa oportunidade da cooperativa, onde estou há uns dois anos. Me dá a oportunidade de fugir das ruas.

Imagina a cena: você pede um carro por aplicativo e senta no banco de trás. Papo vai, papo vem, percebe que o motorista já vestiu a camisa do seu time do coração. Situação que se repetiu algumas vezes com Nelson.


Depois de começar a carreira no Botafogo, onde se profissionalizou e foi campeão da Copa Conmebol de 1993, o volante se transferiu para o Vasco em 1995. Dois anos depois, levantou a taça do Campeonato Brasileiro. Em 1998, foi campeão carioca e da Libertadores.

– Teve um passageiro que foi muito engraçado. Eu estava levando ele para Campo Grande, e ele começou a falar do Botafogo: “Tinha um que eu gostava, ele era marginal (risos), metia a pancada, eu era fã, o Nelson”. Quando ele foi me pagar, eu perguntei se ele não estava me reconhecendo: “Eu envelheci, mas eu sou esse Nelson aí que você falou” – contou o nosso motorista, antes de arrematar:

– Ele deu um pulo

Campeão da Libertadores com o Vasco, Nelson ‘Patola’ hoje trabalha como motorista — Foto: Emanuelle Ribeiro

Atento ao GPS e ao trânsito da Zona Norte do Rio de Janeiro, Nelson nos conduziu em segurança até São Januário enquanto contava sua saga antes de se tornar jogador de futebol. Na porta do estádio, os vidros abaixaram para o procedimento padrão de identificação, mas quase não foi preciso: quando o funcionário do Vasco avistou Nelson, abriu o sorriso e fez o sinal para que entrássemos.

– Isso me deixou muito feliz. Eu antes estava pensando: “Caramba, vamos entrar lá, como que vai ser?”

É uma dúvida justa para quem, não muito tempo atrás, foi barrado na entrada principal do clube. Em outra oportunidade, enquanto rodava pelo bairro de São Cristóvão, pediu para entrar e ficar só um pouquinho.

– Foi a única vez que eu cheguei e falei: “Amigo, eu sou o Nelson, ex-jogador do Vasco, campeão, posso entrar só 10 minutinhos?”. Eu estava com saudade. Fiquei uns 20 minutos sentado bem ali – diz ele, apontando para a arquibancada atrás do gol.

Vinte e cinco anos após deixar o Vasco, Patola voltava para a casa de onde ainda hoje se arrepende de ter saído. Daquele portão para dentro, o ex-jogador reencontrou velhos conhecidos e derramou lágrimas ao lembrar de um dos períodos mais felizes de sua vida.

O caçula de 21 filhos

Nascido na Vila Kennedy, zona oeste do Rio de Janeiro, Nelson Araújo não foi criado para ser jogador de futebol. Caçula dos 21 filhos de Guiomar e Alfredo, ficou órfão cedo. Perdeu o pai aos seis anos e a mãe aos 13. Com os irmãos mais velhos já casados e tocando a vida, restou a Nelson a companhia da irmã Maristela, um ano mais velha.

– Amo meus irmãos, mas meus irmãos mais velhos… Não foi isso que minha mãe ensinou, ela ensinou que em casa que come 10, come 11. Você já não tem mais a instrução dos pais, foi uma época muito difícil, eu vendia garrafas para comer arroz.

– Meu primeiro salário de juvenil no Botafogo, acho que seria uns R$ 50 hoje, eu fui para o açougue e gastei tudo lá. Minha irmã: “Você tem que guardar”. Falei que era só para gente comer uma carne.

Nelson se emociona ao ver quadro com conquista da Libertadores de 98 no Vasco — Foto: Tébaro Schmidt

Nelson se emociona ao ver quadro com conquista da Libertadores de 98 no Vasco — Foto: Tébaro Schmidt

Como muitos jogadores do último século, Nelson não enriqueceu. Chegou a sair da Vila Kennedy nos tempos de Botafogo e Vasco, morou na Tijuca e depois na Barra, mas voltou para sua comunidade ao fim da carreira: “Quando você for casado e se separar, você vai ver que tudo que ganhou de um prédio só tem o alicerce. Eu me separei, estou no meu segundo casamento”, explicou.

Se o primeiro salário na base foi usado para matar a vontade de comer carne, os primeiros pagamentos como profissional tiveram outro destino:

– Comprei tudo de roupa. Eu não tinha roupa, morava num quartinho, era quente pra caramba. Depois no outro salário, comprei um carro, um Chevette, para poder ir trabalhar.

Ligação de Eurico: “Minhas pernas tremeram”

Com o Botafogo tendo dificuldades de pagar os jogadores em dia, Nelson passou a considerar trocar de clube. Mas, sem empresário, o ex-jogador não chegou a procurar um novo destino. Foi o Vasco que chegou até ele. Naqueles primeiros meses de 1995, recebeu uma ligação que mudou sua vida.

– “Alô, sabe quem está falando?”, eu respondi que não. “É bom que a partir de hoje você saiba com quem vai conversar: doutor Eurico”. Eu não acreditei, minhas pernas tremeram, fiquei pálido. O Jair Pereira, que trabalhou comigo no Botafogo, que intermediou. Aí o Eurico: “Se apresenta no dia tal, porque você é do Vasco”. E eu fui. Meu jeito bateu com o dele.

 O notável e polêmico presidente do Vasco fez parte da história de Nelson, que chegou a bater de frente com o chefe em seu início no clube. Eurico prometia aos jogadores pagar um “bicho” em caso de vitória em cima do rival Flamengo: “‘Esquece o campeonato, só quero que ganhem do Flamengo’, ele falava sempre isso para gente”, lembra Patola, que conta:

– Eu vinha do Botafogo, onde a gente mandava. Os diretores falavam alguma coisa, a gente dizia: “Não, assina. Assina porque você não tem palavra”. Aí fui para minha primeira reunião aqui, foram falar de bicho. Eu: “Doutor, tem que escrever o que você está falando. As palavras o vento leva”. Todos os jogadores me olharam, já achei estranho. Ele: “Vai tomar no c***. Eu sou homem de palavra, eu falei, eu faço”.

– Ele chegava com o charutão. Qualquer vitória empolgava, mas vitória sobre o Flamengo ele empolgava mais. Em 96 ganhamos duas vezes do Flamengo de quatro gols. Em 97 foi a glória. O Vasco pegou uma escada e subiu. Depois de um tempo, não souberam administrar essa nave.

De Nené a Patola

O ex-volante deve ao Vasco o momento que ele considera um “divisor de águas” na carreira. Prestes a completar 28 anos, o lance que fez Nelson Araújo virar Nelson “Patola” aconteceu em 15 de outubro de 1995, primeiro ano dele no clube.

O Vasco perdia por 2 a 0 para o Cruzeiro, no Mineirão, quando Nelson apalpou o órgão genital de Luis Fernando, que estava caído no gramado. O volante vascaíno pensou que ninguém flagraria a “patolada”. As câmeras de televisão não só filmaram, como o lance o faz ser lembrado ainda hoje. O Vasco virou o jogo e venceu o clube mineiro por 3 a 2.

– Só sei que tomei uma pancada no joelho, aquilo doeu. Eu só olhei, naquele tempo ninguém filmava, dei-lhe uma patolada, segurei e tirei a mão.

– Tem uma reportagem que passou no Globo Esporte, os caras brincando, e eu joguei uma declaração que entrou no coração da torcida: “Pelo Vasco eu faço qualquer coisa, se tiver que pegar alguma coisa, pela vitória eu seguro”. O doutor Eurico gostou, mas disse: “Se a gente tivesse perdido o jogo eu ia te ferrar” (risos). Eu comecei a passar no shopping e ouvir: “Nelson Patola”. E brincava: “Deixa eu ver o tamanho, ah não, esse eu não pego, não”. Fui brincando com aquilo. E até hoje.

Nelson ficou marcado por ‘patolada’ em Cruzeiro x Vasco — Foto: Reprodução

Mas antes de ser Patola, Nelson era Nené. O apelido que ganhou de Ricardo Rocha ainda é usado carinhosamente por companheiros dos tempos de Vasco.

– Um dia eu faltei ao treino, era sábado à tarde. Só que eu não olhei o quadro, tinha mudado para a parte da manhã. Saí de casa, fui pra Vila Kennedy, quando voltei estavam doidos atrás de mim. Fui direto para o hotel concentrar. Quando cheguei, o Ricardo Rocha estava almoçando com o doutor Eurico, falou: “Nené sumiu”. Aquilo pegou.

Lopes e o desejo de voltar ao Vasco

O ex-volante interrompeu a entrevista mais de uma vez por causa da emoção. Os títulos e a saudade dos antigos colegas contagiam Nelson, mas os olhos dele brilhavam sempre que o nome de Antonio Lopes era citado. Técnico que guiou o Vasco naqueles títulos, Lopes foi e ainda é a grande referência da vida de Patola.

– Sempre tive o dom de ter a palavra, boa oratória, mas ele dizia que isso não ganhava nada, o que ganhava era a postura. Aprendi a ter compromisso com horário, me doar 100% no meu trabalho, então hoje sou muito feliz. Outro dia me encontrei com ele e agradeci: “Hoje eu sou um outro homem, um Nelson diferente, um pai diferente, por causa de você”.

– Tudo que eu faço eu penso no que o Lopes falava. Quando fui treinador, parecia que eu estava revivendo tudo com o Lopes. Colocava todos os ensinamentos, até ser chato. E o Lopes colocava o dedo na nossa cara e dizia: “Se tomar o gol a culpa é sua”.

O campeão pelo Vasco voltou a estudar após pendurar as chuteiras, concluiu o ensino médio e fez um curso de técnico da CBF. Treinou o Ceres, clube do bairro de Bangu, por um curto espaço de tempo e fez boa campanha na Série B do Carioca de 2011, mas deixou o cargo. Por seguir à risca os ensinamentos de Lopes, sente que foi muito rigoroso com o grupo de jogadores: “Não entendi que as coisas mudaram”.

Nelson, entretanto, não desistiu de trabalhar com futebol. O sonho é retornar ao Vasco. Aliás, se pudesse voltar atrás, não teria saído depois do título da Libertadores. Rodou por clubes menores e encerrou a carreira no Barra Mansa, em 2008, após ter passado por duas cirurgias no joelho.

– Começaram a surgir os empresários, e eu não tinha. Talvez o meu erro tenha sido isso. Depois tentei voltar, em 2002. Ficava comparando os outros clubes com o Vasco – diz Nelson em tom de arrependimento.

– O Vasco é muito maior que esses administradores que vão passar. Todos eles que estiveram aqui, eu pedi emprego. E ninguém me deu. Mas sei que Deus vai abrir uma porta, eu vou voltar. Eu vivo isso. Eu me vejo com roupa do Vasco. Não é uma fixação, é uma realidade. Não importa a função, só quero ajudar o Vasco. Se não começar aqui, vou começar em outro lugar, mas ainda vou voltar aqui – profetiza o campeão brasileiro e da Libertadores pelo clube.

Fonte: ge

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